"Neste ano, vamos atingir valores históricos na hotelaria" - Eduardo Abreu

Visão

Julho, 2022

Um passeio pelo centro histórico de Lisboa mostra-nos que os turistas estão aí em grande força. O sócio-fundador da consultora Neoturis fala-nos do interesse, também dos investidores, pelo País.

-POR MARISA ANTUNES

O turismo voltou em força, provando que a pandemia não esmoreceu o interesse do mundo por Portugal, bem pelo contrário. Uma capacidade de atração que, em efeito dominó, também atrai investidores de todas as escalas, interessados em aproveitar esta rentável dinâmica de mercado. O ano de 2022 irá mesmo bater níveis históricos de volume de transações, o triplo do alcançado em 2019, um dos melhores de sempre, afiança Eduardo Abreu, sócio-fundador da Neoturis, uma das mais relevantes consultoras da área de Turismo e Hotelaria. Em entrevista à VISÃO Imobiliário, o responsável fala ainda do impacto da pandemia no setor, das novas tendências de mercado, das soluções estão a ser incentivadas para se manter o interesse dos vistos Gold e das zonas do País que estão no centro da atenção dos investidores.

O setor da hotelaria esteve entre os mais sacrificados da pandemia e muitos previram que tal se traduziria em falências e aquisições de hotéis a preços de saldo. Tal não aconteceu… Não, de facto. Se fizermos a retrospetiva dos últimos dois anos e olharmos para hotéis que abriram falência e grupos que fecharam, o número não é muito significativo. A verdade é que, com as políticas de layoff e as moratórias nos créditos, as cadeias hoteleiras e os principais grupos conseguiram, de alguma forma, ultrapassar este período mais difícil. E muito importante: a pandemia apanhou os grupos hoteleiros no fim de um período de quatro, cinco, seis anos de crescimentos muito significativos de procura e de resultados. Logo, com uma situação financeira mais robusta. Havia dinheiro em caixa, e os bons anos pré-pandemia serviram de almofada para este período dramático.

Há estudos que apontam para que 2022 termine com um volume de investimento no setor hoteleiro na ordem dos €1,5 mil milhões, o que será um recorde…
Há uma operação, que está a decorrer e sobre a qual não posso dar muitos pormenores, de venda de um fundo de recuperação com vários hotéis, e só essa única operação valerá cerca de €700 ou €800 milhões. Ficará fechada durante este ano.

Qual o perfil dos investidores que estão a apostar
na hotelaria?

Nas operações de maior dimensão, estamos essencialmente a falar de privaty equity, de fundos internacionais, baseados em Inglaterra e nos EUA, mas com exposição ao mercado mundial. Procuram resorts, com uma vertente também de segundas casas, turismo residencial, etc. Depois também há family offices à procura de tickets mais reduzidos, abaixo dos €50 milhões, que também querem colocar alguma da sua capacidade de investimento em hotelaria e em imobiliário turístico. E, depois, há um conjunto de investidores, principalmente promotores imobiliários e proprietários de ho- téis por esse mundo fora, dos EUA, Brasil, França mas também de novas geografias como Israel, Turquia e grupos do Médio e do Extremo Oriente, que quer começar a ter ou que deseja reforçar a presença na Europa e está a fazê-lo através de Portugal, pois é um mercado com capacidade de crescimento.

Por origem do capital, que nacionalidades mais se destacam?

A variedade, quer de players quer de nacionalidades, neste momento, é muito impressionante. Muitos
destes grupos, à medida que viram anúncios de transações e operações ao longo dos últimos quatro, cinco anos e até durante a pandemia, perceberam a projeção grande que Portugal tem enquanto destino.
Isso tem suscitado uma curiosidade grande e, agora, temos vários grupos de investidores de referência que poderiam investir em qualquer lado do mundo mas acabam, em efeito cascata, por vir para Portugal.

Pode dizer-se que o mercado nacional está atualmente mais atrativo do que em 2019, em termos de
Investimento?

Está pelo menos tão atrativo como em 2019, não houve um retrocesso. Aliás, até ocorreram operações que ficaram concluídas em plena pandemia, ou seja: não houve desistências significativas de grupos que começaram a pensar em investir em Portugal em 2018 ou 2019 e que concluíram as suas operações ao longo de 2020 e 2021. Diria que, neste ano, vamos atingir valores históricos. E isto até porque já houve outras operações – o grupo Pestana anunciou que vendeu agora um hotel no Algarve, a Azora comprou os Tivoli, entre outros.

Os resorts ganharam novo impulso com o teletrabalho. E nas cidades? Os apartamentos turísticos são uma forma de manter a capacidade de atração de Lisboa e Porto junto dos vistos Gold?

Sim, pela via do turismo… Estão em estudo projetos de transformação ou novos investimentos já com essa vertente, que, no fundo, não é mais simplificando muito – do que fazem os resorts no Algarve, que têm a componente hoteleira e depois têm a componente de segundas casas, que as pessoas compram para passar férias mas também para tirarem daí algum rendimento. E é um fenómeno que se verá cada vez mais em Lisboa e no Porto.

É uma forma de se continuar a vender produto para os vistos Gold?

Sim, eu diria que há grupos que fazem esse ajustamento de estratégia porque perceberam que, sendo um empreendimento turístico, os vistos Gold continuam a aplicar-se, mas também não é só por isso. No eixo Lisboa-Cascais, existe um número de estrangeiros cada vez maior que quer investir e viver cá, e esses produtos também vão ao encontro dessas expectativas. São produtos com serviços hoteleiros para os apartamentos, e estes, quando não estão a ser usados, são alugados como um produto do hotel.
Em termos arquitetónicos e de gestão de espaços, a pandemia teve um grande impacto nos edifícios residenciais e de escritórios.

Como está a ser na hotelaria?

Há muita preocupação em ter espaços ao ar livre mais generosos, quando tal é possível, e, no caso dos hotéis de cidade, estão a ser criados mais espaços para famílias com crianças. Mas não há uma transformação radical do que é o produto hoteleiro tradicional.

Nota-se uma reconversão no sentido do uso de lazer, em hotéis mais direcionados para o turismo de negócios?

Isso, sim. Se na parte do hardware, digamos assim, nada foi muito modificado, na parte da comercialização e da procura de novos mercados é natural que alguns dos hotéis muito centrados no segmento do corporate, quer no corporate individual querem reuniões e congressos de media, pequena e até grande dimensão, tenham feito ajustamentos de estratégia comercial. Hoje, para terem os mesmos níveis de ocupação, tiveram
de abrir a comercialização a segmentos de lazer e com alguns ajustamentos no produto, nomeadamente nos horários de pequenos-almoços, espaços para crianças, maior atenção aos espaços ao ar livre, mais ênfase nos serviços de spa, etc.

Alguns estudos de mercado apontam para mais de uma centena de novos hotéis até 2023. Será mesmo assim?

Normalmente essas previsões pecam pelo processo, ou seja: são sempre menos hotéis do que aqueles que se anunciam, porque há muita inércia em termos de licenciamento. Muitos morrem pelo caminho, uns porque os investidores desistem e vão para outros usos, outros porque deixam de ter financiamento… O que posso dizer, no entanto, em síntese, é que, nos últimos anos, a procura tem crescido sempre acima da oferta, em Lisboa, Porto e Algarve. Mas não nos parece que haja, em alguma geografia nacional, um problema grave de
excesso de oferta.

No que toca às regiões, qual o top 3 das que mais se destacam em número de novos projetos, a curto e a médio prazo?

Claramente o eixo Lisboa-Cascais, a zona da Comporta, ou seja o eixo Troia-Melides, e ainda o Algarve, porque este mercado irá mesclar a parte imobiliária com a parte hoteleira. Diria que são essas as três zonas que estão mais no radar, numa primeira fase.

Por: MARISA ANTUNES em Visão Imobiliário

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